
A produção artesanal de panela de barro é uma das maiores expressões da cultura popular de Vitória e do Espírito Santo. A técnica na produção, assim como a estrutura social das artesãs, pouco mudou em mais de 400 anos, desde quando era produzida nas tribos indígenas.
Nos últimos séculos esse trabalho sempre garantiu a sobrevivência econômica de famílias. As artesãs estão vinculadas à Associação das Paneleiras. As autênticas Moqueca Capixaba (receita) e Torta Capixaba (receita), dois pratos típicos regionais, somente são servidos nas panelas de barro por tradição.
Para fazer as panelas, as artesãs retiram a argila do Vale do Mulembá, local situado no bairro Joana D'Arc, na Ilha de Vitória. Do manguezal que margeia a região de Goiabeiras é extraída a casca da Rhysophora mangle, popularmente chamada de mangue vermelho. Essa casca permite extrair a tintura impermeabilizante de tanino, com a qual são pintadas de negro as panelas, quando quentes.
Patrimônio Cultural Brasileiro
A arte de confeccionar as panelas de barro foi herdada das culturas tupi-guarani e transmitida por várias gerações. Desde 2002 o ofício de fazer panelas de barro é reconhecido nacionalmente como um Bem Cultural de Natureza Imaterial e titulado como Patrimônio Cultural Brasileiro.
A inclusão das paneleiras como Patrimônio Cultural Brasileiro foi uma iniciativa do Ministério da Cultura e do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). A medida se tornou possível por intermédio do Decreto Federal 3.551/2000, que instituiu o registro de bens culturais de natureza imaterial.
Trabalho manual
A modelagem das panelas é feita manualmente. A parede da panela é levantada por meio do uso de roletes ou escavada na "bola" de argila, quando é "puxada". Para isso são utilizados os movimentos das mãos, tanto circulares como verticais, abaulando, arredondando, definindo o formato da peça com a ajuda de ferramentas rudimentares, como pedras lisas, cascas de coco, coité (pedaço de cabaça) e objetos similares. É o mesmo procedimento utilizado pelos povos indígenas que habitaram Vitória há mais de 400 anos.
A característica mais marcante das panelas é a coloração escura. Isto é obtido por meio da impregnação do tanino na peça. A casca é retirada do tronco por meio de golpes de um porrete de madeira. As lascas da Rhysophora mangle, o mangue vermelho, são picadas e colocadas de molho em água doce, para curtir dessa forma em um máximo de três dias.
Vitor Nogueira

Consciência ecológica
Ao contrário do que se possa supor, essa prática não é predatória, porque foi disseminada a consciência de preservação por parte dos "casqueiros". Dessa forma, somente é retirada a casca de um dos lados do tronco, em pouca quantidade. O procedimento não prejudica a árvore, nem o ecossistema do manguezal.
A aplicação do tanino nas panelas é feita da seguinte forma: com uma vassorinha embebida em tanino, bate-se, vigorosamente, na peça ainda quente, imediatamente após sua retirada do fogo. Esse processo de impregnação é conhecido como "açoite". Como resultado, o tanino penetra nos poros da cerâmica, cobrindo fissuras e tornando-a impermeável, servindo também para impedir a proliferação de fungos, que, com o correr do tempo, esfarelam o barro.
Com a coloração escura da panela é possível obter uma melhor concentração do calor, facilitando, dessa forma, o cozimento e a conservação dos alimentos. As panelas, depois de modeladas, ficam em lugar ventilado e protegido do sol até secarem completamente. Só depois é efetuada a queima, não em forno, mas em fogueiras a céu aberto - método bastante primitivo adotado por tribos indígenas.
O processo consiste em empilhar as panelas sobre grossas toras de madeiras, formando o que se chamam de "cama", para permitir, desse modo, a circulação do ar pela parte inferior. Nas laterais e em cima, são colocados pedaços menores de madeira. O fogo é ateado em uma das extremidades, na "cabeceira da cama", e, com a ajuda da ventilação natural, expande-se por todo o conjunto. Dependendo do número de peças, o cozimento pode durar várias horas.
A queima também é feita dentro de um procedimento ecologicamente correto, já que não há desmatamento de árvores da região. Para fazer o fogo são utilizados restos de madeiras, principalmente da construção civil. Apesar desse tipo de madeira nem sempre possuir o melhor poder calorífico, o resultado final é satisfatório desde que o calor produzido seja intenso, uniforme e dure o tempo necessário.
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